quinta-feira, julho 04, 2019

zumbidos e picadas ou pequeno ensaio sobre a culpa


Sentiu que uma enxurrada de abelhas estava lhe entrando boca adentro. Ouvia o zumbido ensurdecedor do enxame e sentia a língua queimar pelos ferrões que a furavam sem qualquer misericórdia. Pensou que ia desmaiar, que não suportaria a dor, que as palavras que pensava em dizer antes que lhe passasse isso iriam afogá-la no inchaço das picadas. O cabelo descabelado, rodamoinhos vivos suspensos no ar. O pânico.

Coisa mansa de dar pena que era ela. A bichinha tentou ainda disfarçar. Sacudiu-se delicadamente em direções opostas. O silêncio nem viu o grito romper no ar. As palavras não saíram. As palavras entupiram-se todas na garganta. Pobrezinha. Esperou estar só. Esperou entrar a vizinha da frente. Esperou voar do fio o beija-flor um seu amigo. Esperou ainda dobrar a esquina a campainha anunciando o pão quentinho. Aí sim foi que saiu. Um grito fino, de criatura pequena. De quem aceita o destino que vem.

Ainda se morresse era sem alarde. 

Nunca tinha sido fã de barulhos. Depois, como se podia explicar às coisas e aos animais cuja fé no concreto se estende para o alto, inabalável, feito a estátua da liberdade, que suas abelhas não se podiam ver?

Quando pequena morria de medo das abelhas. Tanto que um dia resolveu capturar uma. Colocou-a em um pote de geléia de amora. Achou que o cheiro de amora faria sua abelha menos infeliz. Mas não se pode enganar a natureza. A abelha amanheceu dura feito pedra. As patinhas ainda cheias de pólen viradas para o ar. Quatro fiapos tão secos e frágeis como normalmente são quase um segundo antes de romper feito pó pela eternidade afora. Ela não sabia, mas tinha se condenado a uma guerra secreta e infinita. A natureza morta afinal não tinha nada que ver com o quadro de Cézanne que sua vó mantinha na cozinha. A natureza morta era só esse monte de fiapo sem graça de matéria sendo jogado ao vento pelas mãos do destino. Crueldade zero, apenas pragmatismo natural. E uma grande culpa. A maldição nascia exatamente ali. Em todos os nascimentos e mortes lá estariam as abelhas.

E o medo. 

E a culpa.

quarta-feira, maio 16, 2018

Não é o fim





Era bem cedo de manhã e alguns gados já pastavam ao longe. Eu encostei na coluna da varanda e fiquei ouvindo-os mugir no vazio do vale da Paciência. Podia jurar que uns parentes da vó Cidinha também conseguiam escutar lá no condado de Maricá, tão longe o eco parecia chegar vencendo barreira por barreira as fileiras intermináveis de araucária que ocupavam o topo daqueles montes. O sol se desvendava ligeiro por detrás do cume ao leste e o cheiro da loja de papai invadia dançante o meu nariz, anunciando que o café preto estava pronto à esquentar as idéias! Devia ser umas quase sete horas. Eu tinha acordado muito antes disso. Levantei devagar e saí de fino do quarto, pra não acordar meus irmãos. Arrastei os pés e destranquei os trincos. Se dodô me pega é o fim. Mas não tem nada melhor que ver o dia chegar, tão silencioso e colorido. Se bem que nem sempre é tão silencioso. Há aqueles dias em que os animais estão atacados e os gansos, cigarras, galinhas, coelhos, porcos e bois resolvem cantar uma sinfonia de me fazer querer fugir do mundo. Nunca fugi. Tem sempre grilos pra onde eu vou, de qualquer forma. Você se acostuma com o som, porque volume de mundo não se abaixa. E você até passa a gostar. Hoje eu não queria o café do pai, estava de mal com a vida. Tinha umas questões perturbando a minha cabeça. Sabe? Não importa o quanto você tenta ser legal com as pessoas, algumas simplesmente não retribuem. O imbecil do Toninho, por exemplo. Ele mora aqui atrás, o pai dele alugou os fundos da barraca do seu Nico. Vieram do norte. O lugar é pequeno e quente, e às vezes me dá uma dó danada quando eu passo e vejo o Toninho fazendo o dever no quintal, por causa da luz, mas isso não justifica nada! A peste do garoto me veio chorando contar a história horrível de que tinha ido atrás dum pintassilgo e caído do tronco podre de uma mangueira. Ele tinha uns arranhões fortes nas pernas e braços e mancava um pouco. Estava todo lanhado.
-“Ai, cara. Tá doendo muito. Mas vai ficar bom, vai ficar bom.” – Ele parecia bastante otimista quando dizia isso, mas segurava o ar na bochecha pra não respirar a dor nem deixar transbordar os olhos. Nas mãos carregava as duas partes do estilingue, presas apenas pelo elástico. O galho tinha partido ao meio. O moleque tava chorando e eu detesto ver moleque chorando, então eu levei ele na torneira e gastei um pouco de água e gogó. No fim, catei o estilingue vermelho e entreguei na mão dele.
-“Toma, não é o seu mas é bom também.”
O danado me olhou com os olhos brilhando. As lágrimas secaram na hora.
-“Poxa, Betinho. Tem certeza? Tu é um molequinho bom.”
-“Claro! Pode levar! Faço outro qualquer hora dessas.”
Bem que eu achei que ele se animou rápido demais com o estilingue, porque não demorou nada a se levantar e sair puxando a perna manca pra fora dali. Na última olhada que me deu, percebi um ar de mistério, um sangue quente guardado, um relance de vingança no fundo preto dos seus olhos embaçados. Toninho era 3 anos mais velho que eu. Na hora me deu um arrepio na espinha, pensei que fosse a brisa. Não era.
Três dias depois mamãe mal tinha acabado de atar o laço que ia na gola do uniforme já tavam me chamando lá fora. Um tom diferente. Coloquei o nariz pra fora e apertei os olhos. Não conhecia ninguém. Eram 3 garotos. Me aproximei devagar, deu tempo de ver bumbo passando do outro lado. Assobiei pra ele, era nosso código.
“-Aí, você que é o Beto?” – Ele já tinha chegado a uma distância mínima do meu rosto.
“Tá vendo isso aqui?”
O olho direito do garoto tinha uma ferida enorme. Foi a última coisa que ví antes dum soco me acertar em cheio na bochecha. Fui da dormência ao silêncio em poucos segundos.
Bumbo disse que os outros dois foram me bicar, enquanto o do soco sacudia os dedos no vento. Cara dura, Betão! ele disse. Mas sei lá. Bumbo era meio mentiroso. Se minha cara fosse dura não tava esse estrago... Bumbo, meu irmão mais velho. Não era O mais velho, mas era mais velho que eu e a gente vivia aprontando por aí. Mas dessa vez Bumbo não tava rindo, como costumava rir. Riso parcelado, provocativo. Ele tirava sarro de tudo! Sempre tirou! Mas mantinha um olhar oblíquo, fugidio. Eu entendi logo. Não aguentava guardar tamanha raiva dentro de si. Ele ia vingar a gente.

O momento em que o copo caiu não se sabe se cheio ou vazio


Alguma coisa entre eles tinha se quebrado. Eu não sabia como aquilo tinha acontecido ou em que momento exato, ou ainda qual dos dois teria deixado cair o recipiente tão frágil onde escondiam seus sonhos escorregadios e que, deveras displicentemente, carregavam  afoitos e chapados através da correria dos dias. Eram jovens ainda. Aprendizes de equilibristras fazendo manobras arriscadas na corda bamba. Num desses passeios cósmicos, ela se sentou ao seu lado na cama e soube, assim que o viu repousar o peso sobre teu corpo, que não havia muito mais que pudessem se dizer. Já estavam correndo sem parar há quatro anos e no fim de uma curva sinuosa acabaram levando aquela flechada certeira que se crava no peito de quem carrega a certeza de ter encontrado diamantes sob os olhos do amor romântico. Esse amor não conta os beijos que não recebemos ou as horas em que ela vagueou zonza ao seu redor tentando caber no desgosto de não ser o terremoto mais forte de emoções que pudesse haver nessa duração tão curta que é a vida da gente. Ele às vezes tem só um pedaço de chocolate e mesmo assim, o divide com ela. Ele sempre dividiu tudo que estivesse ao alcance de suas mãos. Mas nunca cogitou a hipótese, com tanta e toda a física que tem, de que se houvesse algo metafísico como anunciou Kant ou Schopenhauer, e que então talvez aquilo também fosse divisível. E tantas vezes quis gritar pra que se danasse o chocolate! Porque era vida o que queria dividir. E acabou que esse maldito silêncio, embotado na frieza dos dias nublados de outono, os fez reféns de seu próprio medo.
O sonho passou então a se alimentar na larica das solidões. Do seu caminhar tão à parte levantou-se a poeira que embaçou a vista das certezas. A fumaça até espantou a crise mas não os escondeu do fantasma da dor. Os impulsos da idade se apossavam dele e gritavam com ela em cada discussão que tinham. O que um buscava era o oposto do que se reconhecia no outro. Ela era o fim de resoluções que ele havia planejado para si tão cuidadosamente ao longo de anos de wanderlust e que só tiveram fim com o tapa seco do mundo adulto estalando exato no centro rosa da sua bochecha macia.
Mas se ficassem ali, esperando o vermelho dolorido passar e respirassem juntos, calados, então o ritmo de suas respirações se alinhavam e não demorava até que um corpo começasse a sentir a presença do outro para que aquelas ondas mornas de pele oscilante se desprendessem, magnetizadas,  e fossem triunfantes se encontrar em um longo arrepio capaz de os fazer arder de vida e desejo. E a coça da vida virava só uma coça de mãe. Juliana fora muitas vezes a primeira a agir em conformidade com os impulsos químicos que tiniam entre os dois, mas já aprendera igualmente a reconhecer essa artimanha do corpo e ela que sempre foi fã de neurociência passou a enviar mensagens consistentes ao cérebro evidenciando a percepção de sua manobra estritamente química cuja conjugação se dava em tão estridente desconforme com suas idéias à respeito da sociedade e de como nós, animais, vívidos e exploradores deveríamos nos comportar na vida terrena. Queria ir para um lugar tão distante quanto possível, queria estar com os dois pés enfiados na terra de maneira que criasse laços profundos com ela, mas não raízes, pois que raízes indicavam ao ser vivo que as possuísse uma necessidade tangente da qual dependia sua sobrevivência e que consistia em retirar os proventos físicos ou subjetivos, emocionais, do espaço delimitado ao redor de si. Mas não sem que para isso estivessem tão intrinsecamente agarrados às profundezas do solo que jamais, como que por maldição, pudessem percorrer a distância de um deserto para entender por quê é que o verdadeiro milagre é que haja escondido em alguma de suas parecências o mais deslumbrante oasis de águas límpidas e cristalinas onde a alma, para além do corpo, se refastelaria numa celebração da volátil eternidade da existência humana consciente.

Muitas vezes quis só um amigo também. Uma pessoa que vivesse além do rascunho das características-que-lhe-aprouveriam-em-alguém e que pudesse aceitar com humildade até os seus impulsos mais selvagens de estreiante no sistema solar. Quis lhe oferecer um amor despido de dogmas. Despido de roupas, de vergonha ou jogos. Quis te contar algumas verdades. Te mostrou uma menina que tinha escondido detrás de uma árvore da memória. Te segredou a mulher numa noite estrelada. Deixou você ver que a que chorava, a que se sentia só. Você teve a oportunidade de conversar com a sua fraqueza e ela que tão raramente a levava para passear. Quando te fez a maioria das revelações, esperou que estivessem no meio da dança. Esperava que você estivesse com as pontas dos dedos agarrados às pontas dos seus dedos, pronto a rodopiá-la pelo salão para preencherem mais um território rítmico, mas deslumbrados com o mundo todo e suas luzes, se distraíram e mal dançarinos que eram, tiveram seus pares roubados pela tempestade das ilusões. Alguns desejos chegaram a agonizar no túnel do esquecimento antes de se tornarem os fantasmas aterrorizantes que os perseguem no silêncio dessas tardes frias. Descobriria um dia que esperara demais, como em todos os livros mais bobos que já tinha lido.
Agora percebo que como o mar, ela o arrastou para sua própria imensidão. Conspirou com a força dos ventos e se reuniu com a filosofia. Lançou mão de ferramentas poderosas para essa tentativa. Não estava apostando para perder. Não mais. Ela tomou você para si bruscamente e fez o favor de não olhar pra trás enquanto quebrava os ponteiros do relógio. O tempo a olhou feio de cima e rugiu. Ela fingiu que não viu. Era domadora de nuvem, tinha o xicote da coragem costurado no pulso. Leão de fim de inverno? Não era a batalha mais fácil de ganhar. Ele a jogou na garupa da moto e pegou a estrada. Eles realmente pegaram a estrada. Adiaram o fim do mundo, mas comemoraram como o fim da guerra. Não era. Foram tantos passeios que calculavam terem aposentado a companhia de quase todas as outras pessoas, à exceção do leãozinho e de você. Houve momentos em que o cinza sumiu do horizonte e tudo que se via era um azul brilhante.
Acontece que a tempestade é o impiedoso capataz do tempo. Animal não compete com o mundo porque não se compete com céu carregado. Se o tempo fosse um homem ele seria impiedoso e usaria chapéu. Mas o tempo é o senhor da vida. E aqui, nesta vida, a chuva os pegou.



Eu era a mulher mais maravilhosa do mundo até que eu parei de rir de tudo 
porque algumas coisas simplesmente não tinham mais graça.

Eu fui perfeita, porque eu sou tão linda, mas aí eu te encarei de frente  
Eu te disse: “Não. Isso não.” e você começou a imaginar se realmente estava disposto 
a enfrentar a verdade que é preciso pôr para fora para levar um relacionamento com igualdade.

Você me tratava como uma gatinha presa na árvore, e Deus (whatever that entidade is), como eu detestava isso, então eu resolvi te levar pra sair algumas vezes 
e pagar a conta e isso sempre te deixou confuso. Como era difícil entender, não é mesmo?

Eu amaldiçôo o teatro dos bons costumes.

O amor romântico é uma farsa.

O amor romântico é o inimigo de mães cansadas e traídas.

A convenção é uma parede que esconde o inferno por detrás das suas camas vazias.

Uma flor em 08 de março.

“Nenhum bombom?”

Todas as pessoas estão doentes.  

Me desculpa por não precisar ser salva. Tive que me salvar faz tempo.

Todo mundo precisa ver a culpada pela própria vida
“Olha ela como anda e ri”
Faz cosquinha no buraco de seus corpos.

sexta-feira, dezembro 15, 2017

Um peixe que pedala

Um Ilusionista na cama
Dói mais que um espelho quebrado
Cravado na carne da mão

É dia que vira noite
Que vira mês que vira pra sempre

E um vazio desonesto
Rouba a reputação sem dó
Nem cabimento

Quando pagar para ver
É amargo e sombrio como as suas farsas
A dor no peito vira só coração
Gritando denúncia de mentira à vista.
Marinheiro que brinca com o (a)mar
Põe a alma à deriva



Novembro 2017

segunda-feira, agosto 14, 2017


                               Ausência



Como se o corpo estivesse sem um pé. Como se faltasse alguma coisa que impedisse as outras de funcionar. Liquidificador sem lâmina e as frutas girando e nada. As sombras do trânsito passando aquele filme na janela. E só. Podiam ir-se minutos, ou horas, e todos escorriam pelo vão da indiferença. Um choque seguido de anestesia. E o corpo estirado, inerte. Baqueado, mas sem dor. Os olhos fechados. Nenhuma gota de sangue, à parte aquele cheiro de queimado subindo pelos ares e invadindo as frestas das cortinas velhas daquelas ruas abandonadas por Deus e pelo Diabo. Olhava os dedos das mãos pra saber a quem pertenciam aquelas linhas tortas. E os afagos de que era capaz. A quem? Pensava lento. Quase não saía ar. Pensar é respirar. Mas pensar lento nem sempre era pensar leve. Ali não era. Ali era denso. No fim deu-se conta de que não importava a quem pertenciam os caminhos, se não pudesse sair dali com o corpo por inteiro. E não podia. Não sairia dali. Era assunto fechado a sete chaves. Esperaria que a terra se abrisse e carinhosamente envolvesse seu corpo esquálido em seu manto frio e fértil, para que nunca mais tivesse que se lembrar dos seus olhos brilhantes. De sua voz embargada. Da sua energia explosiva. Dos seus gestos e palavras, e de toda a dureza que consumia lentamente sua alma. Havia lembranças que furavam o acordo do tempo de levar tudo embora antes que você pudesse morrer de uma tristeza tão exata. Olhava-se e detestava tudo que via. Não queria mais se ver, ao menos até que a campainha tocasse e o carteiro aparecesse e com suas mãos quentes entregasse alguma correspondência fria e mecânica, ou algum de seus amigos tentasse enviar uma mensagem qualquer via aplicativo do enfadonho e solitário universo virtual de redes sociais.Uma mensagem que não se pudesse recusar a responder, talvez. Quanto tempo poderia ficar ali sem levantar suspeitas, até que fosse estranho estar vivendo em uma terra distante onde a língua do seu coração não pudesse ser compreendida por nenhum outro habitante e o limite do mundo estivesse ao alcance da porta? Quanto tempo até mais uma vez ter de carregar além fronteiras aquele emaranhado incompreensível de sentimentos turvos onde se afogava lentamente sua sanidade? 

quinta-feira, dezembro 08, 2011

As pessoas vivem de explicações, na luta por uma auto-redenção que as permita continuar a ser malvadas com o intuito cego de "acertar" escondido no fundo do olho negro e dos panos que tapam suas platéias vazias.

Semi-bonecos de corda, controlados por ainda outras cordas, que precedem cordas, e cordas, mais cordas. Sempre cordas, que não terminam e se desenrolam numa grande teia de sistêmica obediência civil.

E os sentimentos, cordas. Empurrando seus bonecos para 1, amor. Corda nata. Corda bamba, corda morta. O tempo destrinchando a corda quando 2 medo. Corda do resgate. Reune a corda do amor para que a unificação seja também contenção. Não se rebelem. Corda 3 grita. O grito se ouve, mas não se vê. Consciência tem nome. É corda.

Antes não houvesse nada. Por que quando se é nada, não há lá nenhuma coisa. E sem coisa, corda zero, corda nenhuma. A gente vai pra frente porque experimenta descobrir a frente que é atrás de todas as outras coisas que não vemos enquanto olhamos para um só lado. Da vida, das cordas, do mundo. Dos bonecos sem cabeça rodando 360º em volta de suas próprias idéias de felicidade. Que aliás, corda 5. E lá vai. Amarrando, costurando, tecendo um universo de enfermidades que levam. Me levam. Pra onde nunca quero ir tão só e sick.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Foi com uma inocencia forjada que a vida me deu as informações que eu não quis ver.
A vida parcela as verdades para cobrar com juros a dívida de sonho.

Eu sonhei um mundo re-configurado. E agora, eu to pagando meu preço.

Depois que a porta deixa de ser um nada na parede, apenas uma madeira velha, que alguém pôs ali, sem motivo, coincidentemente, quase sem querer, pra se tornar uma possibilidade, uma visão única, diferente dos que passam ser ver. Dos que não ardem por janelas ou portas. Dos cegos urbanos, agarrados em suas verdades de 525 caracteres, daí eu pensei que não houvesse opção além de estar fora dos limites reais.

Estar além, a margem, pela borda. Não entrar nunca. Não participar. Não fazer parte.

Foi um pouco além do transbordamento. Um pouco além da rebeldia de farmácia. Além da música e além da literatura. Esses conformismos não me servem mais. São analgésicos podres. Parte da engrenagem. Mais sistêmicos do que o olho que tudo vê.
Estou ausente.

Agora entendo as escolhas que fiz. Me assusto. Me surpreendo. Mas afinal, me reconheço.

Eu tenho um termo agora. Eles finalmente me arrumaram um. E mais: Foi fácil como lavar as mãos na chuva.

Não há mais mistério. Não há mais sedução. No more joy, babe. No more fun.

domingo, julho 31, 2011

É sempre manhã e sempre "bom dia" pros padeiros que buzinam em minha rua com pão e corpos amornados pelo sol no pequeno bairro de Serra Grande.
Com os olhos ainda amolecidos e úmidos da noite sem sono, percebo o passar dos padeiros e não consigo dizer uma palavra sequer sobre a peregrinação matinal desses homens sempre felizes e sorridentes que enfeitam as manhãs invernais de minha varanda.

E eu só não digo nada porque nunca falo a essa hora, mas se alguma coisa saísse, cara, se eu pudesse dizer qualquer coisa que fosse, seria mais ou menos assim:

"- porra, cara, eu ainda não sei, mas se eu continuar mais uns dias sem saber, quero ser mesmo é como tu"

Aquela altura de minha vida, com 23 anos recém completos, já era fácil identificar burburinhos estigmáticos ao redor das festas familiares a respeito dos rumos e prumos pra minha vida desregrada e incomum. Eles tinham uns nomes esquisitos pro que eu chamava de lapso criativo.

Eu não sei se o que rareou foram os lapsos ou a paciência pra toda essa gente inútil em volta de mim. Só sei que de tanto gastar palavras pra explicar o que não se vê, fui ouvindo mais, calando mesmo. Guardando sorrisos e dispensando furadas.

Errado por errado, certo por certo, eu continuo no maravilhoso equilíbrio entre pequenos e longos surtos.
No meio disso tudo, as vezes, ainda encontro alguns padeiros sorridentes, a quem grunho meia dúzia de palavras incompreensíveis, mas que se fossem compreensíveis, seriam mais ou menos assim:
"filho da puta sorridente, vai vender pão na porra do deserto que o parta, como eu queria ser você, só por esse minuto feliz, entre o raiar da manhã e essa sombra distante dos coqueiros reluzentes que emolduram o bairro empoeirado dessa pequena cidade em que vivo, pro diabo com toda essa luz! E bom dia pra você também, seu padeiro"
Amém.
E aí o dia chega...Você ri, desdenha, duvida, aposta.
Mas chega.
Você acha que é fase, que volta, que passa, como elástico de criança e a música ecoando
- "Um hooomem bateu em minha porta. e eu. aaaabri."
Não, não é elástico. Não passa, não volta. É definitivo e relativo. É agora e aqui. É pra lá dos 8. São 23.
Cole Portman não é mais uma questão de bom gosto.
Paris já parece óbvio demais e todas as pessoas suddenly curtem Janis Joplin.
O jazz da Lapa formiga, entre outros de 23 e por que não até menos? Hoje tem-se o que não se tinha antes.
E você pensa: - "porra, sobrou o quê?"
Alguém me ajuda na resposta por que eu, ó. Já dormi e acordei uns 23 dias com 23 anos e até agora, a resposta flutua soltinha pelo céu nublado de agosto.
Lá vem o mundo dar chão pra quem não tem pés....